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Psicoterapia para todos Cédula profissional nº 016584 Contactos 239 836 425 Clínica do Coração, Coimbra.

Psicokiller

Psicoterapia para todos Cédula profissional nº 016584 Contactos 239 836 425 Clínica do Coração, Coimbra.

- Vamos então ver. O que te começou a correr mal há cerca de dois, três anos?

- Hummm...não vejo assim nada...

- O casamento ( sim, união de facto) ?

- Bem, mas não temos tempos um para o outro. O trabalho, o meu filho que  não pára quieto....

- E o trabalho?

- Este ano estou numa escola mais longe. Quer dizer, não muito mais mas a viagem é pior, já apanhei

dois acidentes, um deles horrível.

- E o peso?

- Engordei um pedacito não é ? Ao almoço não como bem, depois ao jantar não temos tempo, é só porcarias.

- Ou seja, a cama está fraca, o trabalho está lixado, engordaste. A ansiedade é a resposta parecida

com a do sistema imunitário quando reagimos a uma infecção.

- ??

- E a fobia  aos tais espaços com gente é a febre.

- Fico ansiosa em espaços com pessoas. Lojas, restaurantes...

- Não, não ficas.

- Se lhe estou a dizer que sim...

- Ora diz cá: isto começou há dois anos mais ou menos não foi?

- Sim...

- Então até aos teus 32 anos sentias-te bem em lojas, restaurantes etc não era?

- Sim...até muito bem.

- E arroz de cabidela gostas?

- Detesto, odeio o cheiro, nunca gostei.

- Ora aí está. Não tens problema nenhum com espaços com gente.

- Mas... se lhe digo que tenho...falta-me o ar, o coração dispara...

- Isso é na paixoneta. O que estás é com a vida avariada.

 

 

- Começámos a usar...brinquedos, é uma solução criativa para um problema emocional.

- Uma startup sexual.

- Acha mal? Ele gostou muito.

- Não acho nada nesses tópicos. Cada um estende a perna até onde a tem a coberta.

- Pois, mas sinto que me falta qualquer coisa...

- Um ferrero rocher?

- Engraçadinho. Não, sinto que se precisamos dos brinquedos é porque a coisa não vai tão bem...

- Discordo.

- A sério?

- A cama é como a guerra mas sem estropiados: faz-se o que é preciso em cada momento.

- Então não é um bocado artificial?

- Claro que é. Por que é que achas que a pornografia é um sucesso?

- Não devia ser artificial...

- Artifício, ofício da arte. Até podem experimentar a arte musical.

-?

- Piano e saxofone.

- Descobri que afinal a coisa dele com a colega dura há mais de um ano.

- Isso é uma trabalheira...eu ficava internado.

- Uma vergonha é o que é. Sinto-me estúpida até dizer chega.

- Não sei porquê. Ele é que é o homem duplicado do Calvin.

-??

- Vocês acabaram, o miúdo vai acabar por saber a história, é inevitável; ele vai começar uma carreira

de solteiro aos quarenta e muitos. Finita a vidinha dos dois mundos paralelos.

- Vai divertir-se  eu fico aqui feita parva. Um ano? Não foi uma noite de copos. Como é que não notei??

- Porque já estavam afastados e não tens binóculos.

- Mas nós funcionávamos bem...

- Então continua com ele.

- Está parvo? Depois disto?

- Se é a mecânica que te interessa...

- Nunca mais.

- Pois. Numa relação a mecânica  cooperativa é uma consequência, não é a causa.

- E agora?

- Tudo é andamento, tudo é vento. Vais conhecer alguém.

- Não volto a confiar em ninguém.

- Nem precisas. Basta-me que confies em ti.

- Como nos libertamos do passado? Quero esquecer coisas, seguir em frente.

- Não és nada meiga.

-  Não se consegue?

- Consegue-se. Tanto como amputando a perna direita.

- Mas do passado não preciso...

- Sem a perna também podes ganhar medalhas e tudo no paraolímpicos. E lugares sentados no metro de superfície.

- Então este meu passado que renego permite-me andar sobre as duas pernas, é isso?

- É a única coisa que é tua, uma velha regra do Arco.

- Mesmo assim vou tentar amputar  essa perna do passado...

- Cuidado com o síndrome do membro-fantasma...

- A depressão lenta perturba a minha vida...

- Vamos todos ficar velhos, doentes e morrer,  por isso o único tom saudável é o depressivo.

- Ai eu sou saudável??

- Isso não sei, mas és tonto.

- Porquê?

- Porque recusas a vida.

- Então mas se o fim é esse...

- Não deixamos de beber, comer, ler e até malandrar: os tipos no corredor da morte também  têm visitas conjugais.

- Então isto é tudo uma espera?

- Espero que longa.

 

Relações ( casados ou não) de 30 anos, filhos  ( se os houve) saídos e emancipados, os sessenta à porta e catrapumba. Estas separações são para mim muito mais interessantes do que as precoces. À uma não envolvem guarda parental e vesânia associada ( na qual sou tantas vezes enfiado), às duas não pressupõem a treta da vita nuova.

Um homem que perdeu o filho adulto ( almoçava enquanto o rapaz se suicidava no andar de cima), Hoffmannsthal, dizia que a imaginação forte é conservadora. Parece uma contradição ( ele que fazia um esforço para deixar de ouvir o presente) mas estes divórcios lembram-me o aforisma. 

 

Dos casos que tive, as pessoas relatam-me um sentimento de esgotamento ( comum aos outros divórcios) mas sobretudo de recusa. Já não esperam descobrir o amor com outras, não traçam grandes . objectivos, não albergam ilusão nenhuma sobre a felicidade. Distinguem-se dos que ficam juntos/casados porque nenhuma sensação de segurança pré-velhice compensa a acédia permanente.

A imaginação forte e conservadora traz-lhes ao espírito um tempo insuportável e certo. Se não podem atrasar a velhice nem esquivar-se à doença, querem pelo menos viver sem dar nem receber. Uma autarcia total para o fim de linha.

- O meu filho agora diz que é género neutro. Quer ser chamado Remi. Ainda só tem quinze  anos e já com estas porcarias. Estou desgraçado.

- Desgraçado porque...?

- Já viu? Metem estas coisas nas cabeças dos miúdos...

- Essas alegorias podem perturbar-te...

- Muito engraçado, mas se me ajudasse faria melhor.

- Claro. Sou da velha guarda também.

- Que bom. Ao menos isso.

- Desde que estejam vivos,  não andem na droga nem a roubar, passem de ano e lavem os dentes, é indiferente o que fazem nos tempos livres.

- isso é muito bonito mas...

- Mas nada. É bonito sim:  podes dar-lhe um beijo de manhã, ver a bola à tarde e dormir bem de noite.

 

Causa-me repulsa a ideia de que um desconhecido se senta à nossa frente, conversamos uma hora e no final fazemos um diagnóstico. Já recebi dezenas de pessoas a quem isso aconteceu. Foram falar com um psicólogo ou psiquiatra e vieram de lá com uma classificação.

Não me refiro à identificação de comportamentos. Se uma pessoa tem rituais compulsivos de verificação ( tocar em objectos, repetir um mantra qualquer), até um computador identificaria um TOC, transtorno obsessivo-compulsivo. Se uma pessoa disparou um revólver na cabeça mas falhou, é bem capaz de ter ideação suicida. Falo de diagnósticos, rótulos, labéus.

A experiência conta muito nestas andanças, é verdade, mas podia ser feito um esforço para ensinar os jovens aprendizes a ter cautela.

 

Lembro-me de um caso de uma mulher que conheci tinha ela trinta anos. Uma vida amorosa desordenada ( com sofrimento, culpa, violência verbal acentuada e até um episódio de física etc), abuso ocasional de substâncias psicoactivas, rupturas familiares. Voltei estar com ela nove anos depois, procurou-me porque fora mãe, vivia com uma pessoa e havia umas coisitas a consertar na vida profissional. Tinha agora uma vida amorosa excelente, bebia um ocasional copo de vinho aos fins de semana, fazia umas coisas com a prancha no mar.

Diagnóstico para que te quero.

 

 

- Isto dos telemóveis  vai dar cabo de uma geração.

- Da nossa e da dos nossos pais, sim...

- Como???

- Ainda ontem tive aqui uma senhora de 71 anos que apanhou mensagens e videos hardcore de uma vizinha  no zingarelho do marido.

- Ó homem... estou a falar das crianças e adolescentes...

- Ah... mas não te preocupes,  esses já crescem com isso.

- Pois é, é essa a tragédia. Gerações de ignorantes.

- Tragédia? Não tens lido o teu o Ésquilo...

- Quem?

- Não interessa. Estas gerações com os seus tic tocs e vídeos ficarão muito cultas.

- Está a brincar não está? Logo você?

-  A cultura é o que o que cada geração precisa para sobreviver.

- Isso não é nada...

- Os nossos antepassados só sabiam fazer fogo e rabiscos nas grutas. Vê aonde chegámos.

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